NEGOCIAÇÃO E FORMAÇÃO DE CONTRATO
A
atividade econômica, como a compreendemos hoje, enfrenta o desafio da incerteza
em um nível nunca antes experimentado, e isso aumenta em importância o papel do
Direito Contratual e do profissional que necessita desse conhecimento para bem
desenvolver as suas atribuições.
O
contrato é e continuará sendo o principal instrumento de realização dos
propósitos econômicos das partes e de circulação dos bens e serviços nas
sociedades, especialmente as capitalistas de consumo.
Entretanto,
esse contrato já não cabe nas molduras cunhadas durante o século XIX, sob a
ótica do liberalismo pós-Revolução Francesa, que o concebiam como uma estrutura
estática, imutável e intangível, cuja força obrigatória era um dogma
fundamental do sistema. O contrato contemporâneo, ao contrário, é dinâmico,
colaborativo, mutável, incompleto, exigindo uma análise concreta de todo o
processo, da gestação ao post mortem.
Durante
a formação do contrato, espera-se que as partes consigam transportar as suas
expectativas para o acordo que está sendo feito, de modo que a utilidade dele
advinda seja a maior possível.
O PROCESSO CONTRATUAL
Se
observarmos os sistemas jurídicos mais alinhados com o pensamento liberal e de
mercado, como o dos EUA, a tendência é que se conclua pela não
responsabilização civil na fase das tratativas. Já em sistemas que elegem a
boa-fé como paradigma a ser observado antes mesmo de contratar, como defende
boa parcela da doutrina brasileira, essa liberdade pode ser mitigada pela noção
de abuso de direito e gerar eventual responsabilidade pré-contratual.
FASE
PRÉ-CONTRATUAL
A
primeira fase do processo contratual é denominada pré-contratual. Nela as
partes interessadas em um possível contrato ainda não decidiram se irão
realmente celebrá-lo.
Nesse
caso, as partes irão buscar uma aproximação, avaliar o custo e o benefício de
uma contratação e formular propostas e contrapropostas, que podem vir ou não a
ser aceitas. Dependendo da complexidade da operação econômica que se quer levar
a termo, é normal que as partes troquem várias minutas antes de chegar a um
consenso.
Não
raro, as partes se valem de documentos para registrar o modo como vão conduzir
as negociações, os pontos já discutidos, o tratamento das informações trocadas,
bem como se haverá ou não exclusividade de negociação ou eventual direito de
preferência.
Alguns
instrumentos podem ser produzidos pelas partes ainda na fase pré-contratual,
antes que, efetivamente e em consenso, decidam contratar. Podemos citar como
exemplos documentos pré-contratuais como:
carta de intenções;
memorando de entendimentos (MoU);
acordo de confidencialidade (NDA);
termo de exclusividade;
termo de preferência;
proposta;
contraproposta e
aceitação.
O
atual sistema jurídico brasileiro exige que os agentes atuem já nessa fase com
probidade e boa-fé. Isso significa que a negociação deve ser desenvolvida de
modo transparente quanto aos próximos passos, para que a outra parte não
realize investimentos na confiança de que o negócio caminha para a sua
conclusão quando, na verdade, ainda haveria premissas consideráveis não
definidas.
Por
essa razão, em sistemas jurídicos como o brasileiro, é possível encontrar
decisões judiciais condenando um dos agentes pelos danos originados ainda nas
tratativas – a denominada responsabilidade civil pré-contratual ou in
contrahendo.
FORMAÇÃO
MASSIFICADA DOS CONTRATOS
Essa
realidade surgiu após a Segunda Revolução Industrial, a partir da necessidade
de se otimizar a contratação, tanto em velocidade quanto em custo, para dar
conta da agilidade de absorção dos produtos em série.
Os
contratos de adesão não são um mal em si mesmos; ao contrário, tornam mais
acessíveis os bens produzidos na nossa sociedade de consumo. Entretanto, é
inegável que o modo unilateral como são redigidos, sem possibilidade
substancial de modificação, exigem um tratamento diferenciado pelo ordenamento
jurídico, diferente daquele até então dispensado aos contratos paritários.
O
Código Civil de 1916, por exemplo, não trazia qualquer previsão a respeito,
exigindo uma construção jurisprudencial lenta e gradual no sentido de se
reconhecer a vulnerabilidade concreta do aderente e de conferir-lhe alguma
proteção, especialmente no que diz respeito às denominadas cláusulas leoninas,
cujo conteúdo manifestamente abusivo expunha o aderente a uma situação jurídica
indesejada.
Com
o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 1990 e do Código Civil em
2002, o contrato de adesão passou a ter tratamento expresso nos arts. 423 e 424
do CC e no art. 54 do CDC. Além disso, o CDC trouxe um rol exemplificativo de
práticas e cláusulas reconhecidamente abusivas, fulminando-as de nulidade.
Nas
relações interempresariais, todavia, há diversos casos em que são utilizados
contratos de adesão – relações com bancos, contratos de distribuição ou
contratos de franquia – cujas cláusulas nem sempre são consideradas abusivas à
luz do CDC e também do CC.
Tal
distinção existe porque, enquanto a vulnerabilidade do consumidor é determinada
por presunção (vulnerabilidade principiológica), a vulnerabilidade de um
empresário em relação ao outro dependerá da situação em concreto, na qual fica
caracterizado o efetivo e demasiado prejuízo que a cláusula poderá trazer.
CONTRATO
PRELIMINAR OU PRÉ-CONTRATO
O
contrato preliminar não é uma etapa obrigatória do processo contratual, pois as
partes podem partir para a imediata conclusão do acordo definitivo. Muitas
vezes, no entanto, há condições suspensivas que ainda precisam ser
implementadas antes da assinatura do definitivo, justificando a existência de
um contrato preliminar.
O
contrato preliminar é também chamado de promessa de contratar, compromisso de
contratar ou, simplesmente, pré-contrato. É nessa última expressão que pode
residir maior confusão, uma vez que o preliminar, quando existente, inaugura a
fase contratual e é desenvolvido ao longo desta.
O
pré-contrato, como expressão sinônima de contrato preliminar, não se confunde
com os já mencionados documentos pré-contratuais, pois, enquanto aquele já é um
contrato, em que está presente o consenso sobre todos os elementos essenciais
do definitivo, exceto o elemento formal, havendo a obrigação de celebrar o
definitivo, os documentos pré-contratuais apenas registram frações da futura
contratação ou definem padrões de negociação, sem obrigar as partes a
concluírem o negócio.
O
contrato preliminar recebe da legislação atual um tratamento destacado,
revelando a sua importância como instrumento apto a propiciar a execução
forçada do ajuste e a obtenção do contrato principal.
CONTEÚDO DO
CONTRATO
Como
todo negócio jurídico, o contrato requer partes capazes e legitimadas para o
ato de contratar. Afinal, esse documento em particular exige pluralidade de
partes, uma vez que é fruto do consenso entre agentes que possuem distintos
interesses.
Cada
parte deve possuir a capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações em
nome próprio. Caso contrário, será necessária a presença do representante legal
para falar em nome do incapaz ou para assisti-lo na manifestação de vontade.
Além
disso, a parte deve ser especialmente legitimada para o ato negocial, o que nem
sempre ocorre, não sendo suficiente tratar-se de pessoa capaz. Conforme o art.
1.647 do CC, uma pessoa casada, por exemplo, dependendo do regime de bens, pode
necessitar da outorga do outro cônjuge para certos atos da vida civil.
Além
das partes, o contrato deverá conter objeto lícito, possível, determinado ou
determinável, a fim de que seja viável exigir o seu cumprimento forçado no
futuro.
A
forma é uma questão excepcionalmente exigida. É necessário adotar forma solene
apenas nos casos em que a lei determinar. O consenso dos contratantes deve
existir para que haja contrato ainda quando esse consenso se manifestar sob a
forma de adesão a um acordo previamente estipulado pela outra parte.
Além
dos elementos essenciais e indispensáveis, um contrato pode conter outras
cláusulas e condições especiais a serem ajustadas no âmbito da autonomia
privada, como condições suspensivas ou resolutivas, cláusulas de garantia, etc.
Por
fim, conforme a natureza do contrato, podem existir elementos naturais, tais
como a garantia legal quanto à ocorrência de vício oculto e a responsabilidade
pela futura ocorrência de evicção.
Em
se tratando de vícios ou defeitos do objeto adquirido onerosamente, existe uma
garantia implícita de que este objeto corresponda ao seu estado aparente de
qualidade. Porém, essa garantia não é eterna, sendo necessário observar dois
prazos importantes:
1.
O prazo de garantia, consistente no prazo máximo dentro do qual os vícios
descobertos poderão ser reclamados;
2.
O prazo decadencial para o exercício do direito através da ação própria, que é
contado a partir da descoberta do vício.
No
caso concreto, temos a aplicação do sistema do Código Civil que determina o
prazo de garantia legal de 180 dias, contados da entrega da coisa móvel, como
prazo máximo para a constatação de um vício. Todavia, uma vez descoberto o
vício, a ação deverá ser proposta até no máximo 30 dias contados da descoberta,
sob pena de não se poder mais reclamar este vício respectivo. Nesse sentido,
vejamos o que diz o texto do Recurso Especial 1095882/SP:
RECURSO
ESPECIAL. VÍCIO REDIBITÓRIO. BEM MÓVEL. PRAZO DECADENCIAL. ART. 445 DO CÓDIGO
CIVIL.
1.
O prazo decadencial para o exercício da pretensão redibitória ou de abatimento
do preço de bem móvel é de 30 dias (art. 445 do CC). Caso o vício, pela sua
natureza, somente possa ser conhecido mais tarde, o § 1º do art. 445
estabelece, em se tratando de coisa móvel, o prazo máximo de 180 dias para que
se revele, correndo o prazo decadencial de 30 dias a partir da sua ciência.
2.
Recurso especial a que se nega provimento.
CONTRATOS
ELETRÔNICOS
Genericamente,
denomina-se contrato eletrônico aquele celebrado por meio de redes,
equipamentos e programas que possibilitem o encontro das vontades na formação
de um negócio jurídico de conteúdo patrimonial. Os contratos eletrônicos
podem-se formar entre:
presentes, quando existe comunicação em tempo real entre as partes;
ausentes, quando se dão em tempo diferido;
dois sistemas digitais;
duas pessoas naturais, por meio de uma plataforma digita ou
uma pessoa natural e um sistema digital.
Os
contratos eletrônicos subordinam-se aos princípios normativos do Direito Contratual
em geral e também aos princípios que lhes são próprios.
São
princípios inerentes aos contratos eletrônicos:
·
princípio da
equivalência funcional entre os atos jurídicos produzidos por meios eletrônicos
e os atos jurídicos produzidos por meios tradicionais;
·
princípio da
inalterabilidade do direito existente sobre obrigações e contratos;
·
princípio da
identificação, que diz respeito à devida identificação das partes celebrantes
um contrato por meio das redes de computadores, e
·
princípio da
verificação, segundo o qual todos os documentos eletrônicos relacionados devem
ser armazenados para possibilitar a sua verificação futura.
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